É basicamente impossível algum lutador de jiu-jitsu nunca ter ouvido falar da família Gracie. Afinal, foram eles os principais responsáveis pelo chamado jiu-jitsu brasileiro (ou BJJ). Além disso, o sobrenome está intrinsecamente ligado à criação de um dos maiores eventos de artes marciais mistas: o Ultimate Fight Championship.
De Carlos Gracie a Kron Gracie, vários representantes da família fizeram história na arte suave. No entanto, essa relação é, de fato, bastante antiga. Ainda no começo do século XX, o jovem Carlos Gracie era bastante rebelde. Ao conhecer o japonês residente no Brasil, Mitsuyo Maeda, também conhecido como Conde Koma, ele começou a se interessar por artes marciais. Diante disso, o pai de Carlos resolveu colocar o filho para treinar jiu-jitsu na esperança que ele aprendesse a ser mais disciplinado.
Carlos tinha apenas 14 anos quando começou a treinar, mas rapidamente se tornou um dos alunos mais dedicados de Maeda. Contudo, cerca de cinco anos depois, a família Gracie se mudou do Pará, onde moravam, para o Rio de Janeiro. E foi na Cidade Maravilhosa que, posteriormente, a família Gracie abriu sua primeira escola.
Carlos, agora com 23 anos, sabia que seria difícil para ele se tornar referência no jiu-jitsu sozinho. Ele então ensinou a arte suave para seus irmãos mais novos: Osvaldo, Gastão Jr, Jorge e Hélio Gracie. E assim, a chamada primeira geração dos Gracie se uniu para transformar o espaço em que eles moravam, treinavam e davam aulas em algo maior.
A ascensão de Hélio Gracie
Hélio era o caçula dos homens da família Gracie e tinha apenas 12 anos quando Carlos abriu seu centro de treinamento. A princípio, a missão de treinar o jovem ficou com Gastão e Osvaldo, uma vez que Carlos estava muito ocupado cuidando dos negócios da escola. No entanto, a fim de chamar a atenção do mais velho, Hélio se dedicou a compensar sua estatura e corpo franzino aprimorando outras técnicas.
Em vez de apostar na força e na velocidade, ele se dedicou ao uso de sistemas de alavancas com os membros, além de trabalhar a paciência para agir no momento certo. Pouco a pouco, o menino de aspecto frágil foi refinando a técnica passada pelos irmãos, dando origem, assim, a um estilo único de luta.
Não demorou muito para que Carlos despertasse para as habilidades de Hélio. Logo, os dois se aproximaram novamente, e o caçula se tornou “protegido” do mais velho. Na época, Hélio passou a representar a família Gracie em eventos de luta, principalmente em um estilo que começava a ficar famoso na cidade carioca: o vale-tudo. Um dos confrontos mais emblemáticos da carreira de Hélio Gracie foi contra Valdemar Santana, um ex-aluno da escola Gracie. Ao todo, foram quase quatro horas de luta, e Hélio, já com mais de 40 anos, saiu derrotado. Mas isso em nada o ofuscou. Resiliente e disciplinado, ele sempre foi um dos principais lutadores do Brasil.
Carlson Gracie se torna o número 1 da família Gracie
Quando a idade alcançou Hélio Gracie, ele passou a se dedicar ao ensino e à escola de artes marciais. Ficou com Carlson Gracie, filho mais velho de Carlos, a responsabilidade de assumir o nome da família nas lutas. E ele não decepcionou.
Após a derrota do tio para Valdemar Santana, a família estava com a reputação manchada. Afinal, como um ex-aluno consegue derrotar o mestre? Carlson, então, recuperou a imagem dos Gracie ao derrotar Santana, e se tornou o principal lutador da família. Rapidamente, sua fama se espalhou pelo Rio de Janeiro, e ele abriu uma filial da escola Gracie em Copacabana a fim de treinar seu próprio grupo de alunos.
O “pai” do jiu-jitsu moderno, Rolls Gracie
Filho de Carlos, Rolls era meio-irmão de Carlson. No entanto, ele cresceu sempre próximo a seu tio, Hélio. Para muitos, Rolls é o elo entre o jiu-jitsu antigo e o moderno. Atlético desde a infância, Rolls se dedicou intensamente às artes marciais e, aos 16 anos, já era faixa-preta. Mas ele não se limitou ao jiu-jitsu. Ainda jovem, teve a oportunidade de viajar pelo mundo, aprendendo outras artes marciais como Sambo, Judô e Luta Greco-Romana.
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Ele, então, afastou-se do método tradicional de luta ensinado por seu tio, Hélio, e incorporou influências dessas outras artes marciais em seu jiu-jitsu. Por isso, muitos o consideram o pai do jiu-jitsu moderno e precursor do MMA. Infelizmente, a trajetória vitoriosa de Rolls foi interrompida em 1982, após sua morte prematura em um acidente de asa-delta.
O jiu-jitsu conquista o Brasil
A família Gracie foi bastante prolífica em termos de descendentes. Tanto Carlos quanto Gastão e Hélio tiveram vários filhos, que em sua maioria, também se dedicaram à arte suave. Durante as décadas de 1970 e 1980, a escola Gracie se expandiu pela capital carioca, conquistando cada vez mais alunos. A esta altura, além de Carlson Gracie, Rolls Gracie (antes de sua morte) e Carlos Gracie Jr. também tinham suas filiais da escola.
O nome “Gracie Barra”, pelo qual as equipes que treinam em locais filiados à escola dos Gracie, veio em 1986, quando Carlos Gracie Jr. aceitou o desafio de montar uma equipe competitiva, mas que não se dedicasse apenas ao físico e às técnicas. Isso porque, para ele, o jiu-jitsu era o melhor caminho para qualquer pessoa atingir seu potencial, independente de sua capacidade física. Assim, para Carlos Jr., o jiu-jitsu também era fundamentado em um estilo de vida saudável, uma boa alimentação e boas amizades.
Enquanto isso, a prática do jiu-jitsu se espalhava pelo Brasil. Os campeonatos eram realizados com frequência cada vez maior, e sempre havia algum Gracie competindo. Osvaldo e George Gracie saíram do Rio de Janeiro, levando o nome da família, a escola e o esporte para outros estados.
Mas a principal novidade para o esporte veio em 1994, quando Carlos Gracie Jr. conseguiu apoio para criar a Confederação Brasileira de Jiu-Jitsu, que uniformizou as regras das competições e promoveu o primeiro Campeonato Brasileiro.
A família Gracie e o UFC
Na década de 1990, artes marciais como o Karatê e o Kung Fu ficaram populares devido aos filmes e às Olimpíadas. No entanto, elas envolvem apenas um aspecto da luta, seja socos, chutes, quedas ou imobilizações. Assim, elas somente funcionariam se as duas pessoas se enfrentassem em um ambiente com regras, jamais em um combate real.
Foi no começo dos anos 1990 que essa rixa entre o jiu-jitsu e as demais artes marciais foi posta à prova no primeiro Ultimate Fighting Championship, o UFC. O ano era 1993 e Rorion Gracie, filho mais velho de Hélio, organizou o evento. A essa altura, o jiu-jitsu já havia ultrapassado a barreira do Brasil e conquistado países como Estados Unidos e Japão. Eventos de vale-tudo aconteciam em todo o mundo e atraiam cada vez mais público.
A ideia do primeiro UFC era colocar frente a frente atletas de diferentes artes marciais. Ao todo, oito atletas – e dois reservas – participaram do evento: Gerard Gordeau, Teila Tuli, Kevin Rosier, Zane Frazier, Royce Gracie, Art Jimmerson, Ken Shamrock e Patrick Smith. Já Jason DeLucia e Trent Jenkins eram reservas.
Não havia diferenciação de peso. Os embates eram no estilo mata-mata, partindo das quartas de final. Ou seja, o ganhador precisaria vencer três lutas na mesma noite. O evento ainda apresentou outros detalhes curiosos. Por exemplo, o fato que cada atleta poderia subir ao octógono com a roupa que quisesse. Assim, enquanto Royce Gracie entrou com seu quimono de jiu-jitsu, Ken Shamrock subiu vestindo apenas uma sunga.
Além disso, as regras eram bem mais “leves”. Basicamente, apenas duas coisas eram proibidas: acertar com o dedo no olho e golpes na região genital. Por fim, não havia limite de tempo. O round acabava apenas por nocaute, finalização, desistência ou interrupção do juiz em caso de lesões graves.
Royce Gracie vira lenda no UFC
Não é de se surpreender que o primeiro vencedor do primeiro UFC tenha sido um Gracie. Royce Gracie tinha apenas 26 anos quando subiu ao octógono para enfrentar seu primeiro desafio da noite: o boxeador Art Jimmerson. Jimmerson chegou calçando apenas a luva de boxe em uma mão apenas. A ideia era ter utilizar esta para socar enquanto a mão livre poderia segurar Royce. No entanto, a estratégia não deu muito certo e o boxeador jogou a toalha ainda no primeiro round.
A segunda luta de Gracie foi contra Gerard Gordeau, que também perdeu para o brasileiro por submissão no primeiro round. A grande luta da noite foi entre Royce e Ken Shamrock para definir quem seria o grande campeão do evento. Com apenas 78kg, o Gracie encarou um adversário bem maior. No entanto, ele estava disposto a provar que a técnica vence a força bruta. E assim o fez.
O público prendeu a respiração ao ver Royce Grayson paralisar Ken Shamrock e vencer o adversário por submissão com menos de um minuto de luta. Assim, o brasileiro se tornou o campeão não apenas do primeiro UFC, mas também do UFC 2 e do UFC 4. Ao todo, Royce Gracie soma 11 vitórias, um empate e uma derrota no Ultimate.
Os demais integrantes da família Gracie que passaram pelo UFC
Rolles
Além de Rorion, criador do UFC, e Royce, outros integrantes do clã Gracie também passaram pelo UFC. Um deles foi Rolles, filho de Rolls Gracie. Ele estreou no Ultimate em 2010, na categoria peso-pesado. Apesar de chegar com um cartel de três vitórias e nenhuma derrota, ele perdeu no octógono para Joey Beltran. Assim, sua primeira e única participação na franquia acabou após um nocaute técnico no segundo round.
Renzo
Pouco depois de Rolles, foi a vez de Renzo Gracie estrear no UFC. Na época, ele tinha 43 anos e estava afastado há três anos das competições. Ele enfrentou Matt Hughes e, assim como seu primo, perdeu por nocaute técnico ainda no primeiro round.
Roger
Outro que também passou rapidamente pelo UFC foi Roger Gracie. Em 2013, ele era conhecido como um dos maiores nomes do jiu-jitsu esportivo, mas isso não foi suficiente para derrotar Tim Kennedy, que saiu vencedor por decisão dos juízes.
Kron
Atualmente, o único Gracie que ainda representa a família no UFC é Kron. Ele estreou com estreia em 2019, no entanto, perdeu sua última luta, em junho de 2023, por decisão dos juízes.
E as mulheres da família Gracie?
Apesar dos homens dominarem a história da família Gracie no mundo do jiu-jitsu, mas mulheres da família também se dedicaram ao esporte. Hoje quatro delas são faixa-preta e também ensinam nas escolas do clã.
A primeira e mais famosa é Kyra Gracie, que se graduou em 2006. Na sequência veio Deborah Gracie, graduada em 2015. Em 2019, Stephania Gracie recebeu sua faixa e, por fim, Angela Gracie, da equipe Royce Gracie Austrália, também recebeu sua graduação.